Contos



Imagem do Google - desconheço a autoria
 

Um Encontro Fantástico

Seguindo minha rotina matinal de longas caminhadas, entrei no jardim do Museu Imperial e sentei num dos bancos para descansar. Fazia muito frio e a cidade amanheceu com uma densa neblina.
De repente vejo caminhando pelas alamedas um idoso senhor, muito alto e de porte ereto, vestindo um enorme jaquetão. Veio se aproximando de onde eu estava e, na intenção de sentar, dirigiu-se a mim de forma educada, pediu licença e sentou-se ao meu lado.  Vi naquele senhor de barba branca e olhos azuis, um perfeito cavalheiro. Ao sentar-se, cruzou as pernas numa postura de muita dignidade e elegância.
Sua presença causava-me um involuntário sentimento de desconforto e cerimônia. Mantive-me silente e respeitoso. A iniciativa de um diálogo partiu dele, ao dizer:
- Gosto de caminhar pelas alamedas do meu jardim. Faço isso com muita frequência e sempre sozinho, para ordenar meus pensamentos. Estou vivendo momentos de muita preocupação, pois são tantos discursos nas Tribunas das Câmaras sobre a questão abolicionista, sem contar os inflamados debates republicanos!
Achei muito estranha aquela conversa e não me contendo de tanta curiosidade, por aquele que se considerava dono daquele jardim, perguntei:
- Meu nobre cavalheiro, desculpe-me perguntar, quem é o Senhor?
- Sou Pedro de Órleans e Bragança, e moro aí no Palácio – disse de forma muito natural.
Gelei na hora! Aquilo era um sonho ou estava delirando? Percebendo o meu nervosismo tentou me acalmar, de forma branda e paciente, e continuou:
- Estou vivendo momentos muito difíceis, de muita intranquilidade. Percebo que a Monarquia não deve perdurar muito. O momento político está muito complicado e os republicanos são cada vez mais numerosos e se fortalecem. Porém, vamos falar de coisa mais alegre. O jovem cavalheiro já tomou o trem na Estação Barão de Mauá e subiu a Serra de Petrópolis?
- Não, gostaria muito de fazê-lo, mas os trens foram desativados.
- Como assim?  Acabei de inaugurar a primeira estrada de ferro do Brasil. É uma viagem maravilhosa!
Eu realmente não conseguia acreditar naquilo que estava ouvindo, devia estar sonhando mesmo!
Inesperadamente, ele levantou e de forma muito cortês, disse:
- Desculpe-me, tenho que ir. Tenho um encontro para um chá, com a Condessa de Barral, uma alegre e simpática amiga de minha relação. Foi um grande prazer conhece-lo! Venha me visitar qualquer dia desses.
Aquele ilustre senhor, apesar de sua grande importância, era uma pessoa muito simples. Ao se afastar, no meio de uma densa neblina dirigindo-se ao portão de entrada, sua figura desapareceu de forma misteriosa, da minha visão que acompanhava sua trajetória.
Levantei-me do banco, para ir embora completamente aturdido. Estaria sofrendo de alucinações ou tinha ficado virtualmente maluco? Aquilo não poderia ter acontecido. Retornei com grande propósito de procurar um neurologista para fazer exames e avaliar a minha situação.
Almir Tosta é escritor e pesquisador
 
 




“BAHIA DE TODOS OS SANTOS”

(Angelo Romero)


O bar estava repleto. Instalado no alto da parede, à esquerda de quem entra, um aparelho de televisão exibia naquele momento a novela das nove no volume máximo. Na última mesa, nos fundos, à direita, um pequeno grupo ouvia, através de um possante rádio de pilha, a transmissão do jogo de futebol entre o Bahia e o Fluminense de Feira de Santana. Portanto, como é de se imaginar, o barulho por ali era ensurdecedor. Aliás, o brasileiro é o único povo no mundo que pensa que todo mundo é surdo... Vai falar alto assim nos "quintos do inferno"! Pois bem, apesar da diversificação e do volume dos ruídos, uma voz se destacou na pequena multidão:

- DEUS é baiano! - exclamou Clô, jornalista licenciado da "Folha da Tarde".

Aquela afirmação em frase curta obteve o efeito de um tiro dado para o alto. O silêncio passou a ser maior do que o da elevação da eucaristia nas missas da sexta-feira da Paixão.

- Está louco você, ou o fogo da cachaça já lhe fritou os miolos? - perguntou Luís Alfonso, o espanhol dono do bar, com seu castelhano perfeito, mas já com o sotaque baiano.

Luís estava a trinta anos em Salvador e “Filho da Puta” era a única coisa que sabia falar em português corretamente.

- É isso mesmo - continuou Clô - descobri que Deus é baiano.

Não fosse o seu adiantado estado de embriaguez, as pessoas poderiam pensar que ele estava falando sério. Apesar de viver constantemente licenciado para tratamento do alcoolismo, era Clodoaldo Matoso, mais conhecido como Clô, um cronista respeitado. Zé do Carmo, gozador aposentado pelo INSS, procurou alimentar o tema levantado:

- Olha cara, eu sei que a Bahia é privilegiada. Afinal, é o Estado que mais homens ilustres têm dado ao Brasil... Mas, DEUS!? Eu acho que agora você exagerou. Como foi que chegou a esta conclusão?

- Baseei-me em estudos e observações...

Barriguinha, freguês assíduo do bar do espanhol, era católico fervoroso. Tão católico que a cada gole que dava em seu traçado, não só agradecia como oferecia a Deus. Pois bem, Barriguinha estava indignado com Clô.

- Baitôla, miserável! Você só pode ser ateu. Não conhece o mandamento que diz "não levantar Seu Santo Nome em vão"? Como você pode brincar com o nome de Deus!?

- Deus não só é baiano, como nasceu em Salvador - afirmou Clô.

- Isso é sacrilégio! Cala essa boca, infeliz, antes que eu perca a cabeça e lhe quebre os dentes - gritou Barriguinha, ameaçando se levantar.

- Calma Barriguinha - interveio Zé do Carmo. Se o homem aí estudou e chegou a essa conclusão, vamos dar uma oportunidade a ele de se explicar... Vá em frente, Clô.

- A igreja não é a casa de Deus? - perguntou o cronista. Pois bem – continuou - Qual é a cidade que tem 365 igrejas? Qual é a cidade que tem 365 dias festivos no ano? Qual é a cidade em que alguns trabalham pra valer, para que todos possam se divertir diariamente? Salvador, meu filho - SALVADOR!

"Nova Galícia", mais conhecido como bar do espanhol, era reduto de aposentados, desempregados, biscateiros e foras da lei. Logo, aquela revelação causou indignação na maioria dos presentes, pois quem mais se revolta em ser chamado de preguiçoso, é justamente quem menos é chegado ao trabalho. Assim, em meio a palavrões e ameaças, o grito de Zé do Carmo se fez destacar:

- Calma gente, que o letrado aí deve ter mais coisas a dizer.

- E é bom que tenha mesmo, porque até agora o que ele fez foi chamar baiano de vagabundo. E logo esse miserável que só vive licenciado!

- E quem foi que disse que baiano é preguiçoso? - Baiano é esperto, criativo... Trabalha com a cabeça. E quem lhe deu toda essa esperteza e inteligência? Deus, que é seu Pai, e Jesus que é seu irmão - falou Clô.

Aproveitando o momento de silêncio, Zé do Carmo provocou:

- Mas esperto só se cria quando encontra otário, e por aqui quem é otário?

- Ué, os turistas - rebateu ele. O pessoal que vem de todas as partes do Brasil e do mundo pra trazer dinheiro pra nós. Ah, e por falar em turista, por que vocês acham que Deus colocou Sergipe coladinho à Bahia?

- Eu sei lá porque - resmungou Zé do Carmo.

- Por causa do artesanato baiano - respondeu Clô.

- Êpa. Essa eu não entendi...

- Mas eu explico - continuou. Nós faturamos horrores com o nosso artesanato que é conhecido no mundo todo. No entanto, a maior parte do artesanato baiano é feito em Sergipe. Ou seja: eles, por lá, dão um duro danado, e nós aqui, vendemos e ganhamos à fama!

- Esse indivíduo continua a chamar a gente de preguiçoso, cara. Já vi que pra ele, baiano não trabalha... Eu já tô começando a ficar puto - falou Barriguinha, ameaçador.

- Se segura aí, Barriguinha. O que o letrado quer dizer é que nós, baianos, sabemos ganhar dinheiro sem precisar dar duro...

- É isso aí - continuou Clô. Por exemplo: - quem inventou o "Trio Elétrico"?

- Foi um baiano? - perguntou Zé do Carmo.

- Não sei, e pouco me interessa saber. O que importa mesmo é que foi um baiano esperto quem divulgou a engenhoca. Antes do advento do "Trio Elétrico" era preciso uma orquestra para levar o som para um grupo de pessoas. Hoje, através da engenhoca, um pequeno grupo de músicos, sem fazer muita força, leva o mesmo som para milhares de foliões. Vê? Só mesmo coisa de baiano...

É bem verdade que, até ali, nada havia sido dito de concreto, por Clô, que pudesse provar a nacionalidade e naturalidade de Deus. No entanto, com sua verve, o cronista conseguira acalmar os ânimos. A discussão, naquela altura, poderia ter morrido, mas Zé do Carmo não deixou:

- Tu achas cara, que se Deus fosse baiano ia mandar Jesus, Seu filho, pra Jerusalém? Mandava Ele pra Salvador.

- E quem pode me assegurar que Jesus quando veio ao mundo não esteve por aqui primeiro hem? Tem alguém aqui que conheça Jerusalém?

Silêncio total!

Pois asseguro que não precisam ir até lá. Seria uma perda de tempo e de dinheiro. Se querem saber como é Jerusalém, basta ir até Milagres, aqui no sertão baiano. Tenho a impressão de que Jesus, antes de ir pra Jerusalém, andou uns tempos por Milagres para ir se acostumando com o tipo de região... Claro que não temos a infraestrutura que hoje eles têm por lá. E nem precisamos, pois se em Jerusalém o povo vive à custa do turismo, em Milagres, a gente de lá vive à custa de milagres. Aliás, esta é a única diferença, pois em termos de riqueza e beleza naturais, é tudo igual. É como trocar merda por cocô.

Todos riram exceto Terencio. Para falar neste último personagem, preciso abrir um parêntese: - Seria desperdício de tempo calcular as medidas, em centímetros, que aquele negão tinha de tórax, braços e pernas. Porém, de altura era fácil: mais de um metro e noventa. Terencio estava sentado no fundo do bar e, ao se por de pé, quebrou a luminária do teto com a cabeça. Sua voz de trovão fez balançar os cascos vazios de cerveja que estavam por sobre o balcão:

- Está me chamando de merda? - perguntou ele a Clô. Pois saiba que sou filho daquela terra...

Na certa aqueles eram os dentes mais alvos e perfeitos de toda a Bahia. Era, sem dúvida, em todos os sentidos, um dos mais bem dotados exemplares da cor de ébano. Negro pra qualquer rainha escandinava abdicar da coroa! Mesmo assim, diante daquele monumento, Clô não perdeu a pose:

- Se o amigo aí é de Milagres, por favor, não se ofenda. Quem nasce naquela região pobre, traída pelos políticos, esquecida pelas autoridades e, mesmo assim, consegue sobreviver e se transformar num homem forte, saudável e inteligente como vossa mercê, é prova viva de que minha teoria está certa. Você, cidadão, é o próprio milagre!

O negão voltou a sentar e, já mais calmo, falou:

- Bem, na verdade, eu nasci em Milagres, mas fui criado numa fazenda de cacau em Itabuna...

- Milagres ou Itabuna, não importa. Tudo isso é relevante. O que conta, realmente, é que aqui todos nós somos baianos com a graça de Deus. Temos esse privilégio. O verdadeiro baiano não briga com outro baiano a não ser por mulher, cachaça ou futebol. Portanto gente estou tranquilo, pois falo de Deus Todo Poderoso!

- Ah, quer dizer que você acredita que por religião, baiano não briga? - perguntou Barriguinha.

- Claro que não - respondeu Clô - pois se brigasse os adeptos do Candomblé não iam lavar as escadarias da igreja do Bonfim. Nós, baianos, somos um povo unido na religião, na política e nas artes. Principalmente nas artes! Ao eleger os melhores do país, o baiano é unânime. Querem ver? Vou perguntar, sabendo que não precisam responder: - Quem é o maior escritor do Brasil? Qual é o melhor pintor? Quem são os melhores cantores, cantoras e compositores? Quem é o maior líder político do país? Todos são baianos com a benção de Deus!

Houve aplausos e silencioso balançar de cabeça em sinal de aprovação. No entanto, Zé do Carmo não estava nada satisfeito e acabou por provocar novamente:

- É, na retórica, o ilustrado cronista é imbatível! Porém, pra mim, pessoalmente, tudo até aqui não passou de prosopopéia, de uma prosa divertida. Na verdade, nenhuma prova cabal, histórica, irrefutável foi apresentada, capaz de colocar como inquestionável, tão absurda tese. Entretanto, como acredito na inteligência e na cultura de nosso cronista maior, imagino que você, Clô, tenha guardado para o final, uma revelação bombástica, colhida sob a poeira de um alfarrábio do tempo. Vamos lá, meu predileto cronista, não nos faça esperar mais. Seja benevolente para com nossa desconfiança e comprove sua tese. Afinal, por que acredita que Deus é baiano?

Clô coçou a cabeça. Dezenas de olhos questionavam o silêncio. Olhos que pareciam fuzis apontados em sua direção no momento que antecede ao fuzilamento. O cronista pigarreou procurando ganhar tempo. O bar do espanhol nunca havia experimentado silêncio parecido. De repente, Clô sorriu. Foi um sorriso curto, contido. Mais de alívio do que de satisfação. Parecia que havia encontrado uma luz no fim do escuro túnel, quando começou a falar pausadamente:

- Como é sabido por todos, Deus fez a semana ter sete dias. Em seis criou o mundo e no domingo descansou, não é verdade?

Não se ouviu uma só voz, murmúrio ou ruído.

- Mentira! - gritou Clô. Todos vocês foram enganados a respeito. Domingo não é o último dia da semana, é o primeiro. Portanto, Deus, quando resolveu criar o universo, descansou bastante no domingo, pra depois fazer o mundo na segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado. E aí está meus amigos, a maior prova que posso dar de que Deus é baiano...

A voz de Zé do Carmo interrompeu o silêncio:

- Explique melhor. Não sei aonde você quer chegar...

- Muito simples - concluiu o cronista: o baiano é o único povo no mundo, capaz de tirar férias antes de começar a trabalhar...

E aí, gente, o pau comeu...
 
 



O Sacristão, o Padre e a Beata
 Angelo Romero


Vendo a mulher no tanque esfregando e enxaguando roupa e uma pilha de louça na pia para ser lavada, Esperidião, o marido, não se conformou:

- Cadê Jurema que não vem lhe ajudar?
- Está rezando o terço - respondeu a mulher, sem interromper o que estava fazendo.
- De novo? E quantos terços nossa filha reza por dia?
- Três. Um ao acordar, outro depois do almoço e o terceiro as seis, na hora da Ave Maria...
- Não acha que é reza demais, mulher?
- Deus gosta de ser lembrado e rezar nunca fez mal a ninguém...
- Ajudar a mãe nos trabalhos de casa, também não e Deus, tenho certeza, iria gostar e compreender.
- Mas Deus está em primeiro lugar.
- Pelo que eu vejo, Ele está em primeiro, em segundo e em terceiro.
- Deixa a menina pra lá, Dão. Ela está rezando por ela, por mim e por você.
- Eu não passei procuração pra ela.
- A prova de que Deus ouve as preces de nossa filha é que me dá saúde para fazer todo o serviço de casa, e é de saúde que preciso.

 Esperidião desistiu de argumentar. Mulher, quando esposa, raramente muda seu ponto de vista em discussão com o marido. Costuma ser perda de tempo e desgaste inútil. Porém, intimamente ele não se conformava com o que entendia como um exagero da filha, nem com o fato dela deixar de ajudar a mãe.

Alguns quarteirões dali, Gaguinho, como era conhecido o sacristão, preparava a igreja para as missas dominicais que aconteceriam no dia seguinte. Padre João de Assis, vendo-o trabalhar, falou:

- Parabéns! A ornamentação está ficando bonita para a Semana Santa. Na segunda-feira, dia de sua folga, não vou abrir a igreja. Pretendo fazer uma pequena viagem para visitar minha velha mãe.

O bar do Tavico, que ficava em frente à igreja, costumava reunir aos sábados os maiores viciados da cidade: viciados em bebida e em carteado. Esperidião participava nas duas frentes: bebia muito enquanto jogava.

 Naquela manhã o bar recebia uma nova dupla de fregueses. Eram caixeiros-viajantes que estavam hospedados na pensão de dona Ismênia.

Enquanto o jogo corria solto, os dois, numa mesa de frente para a rua, bebericavam e apreciavam o movimento dos passantes. Homem que costuma beber em bar, raramente foge de três assuntos: futebol, política e principalmente, MULHER. Nisso passou Jurema em direção da igreja, andando de cabeça baixa, vestindo saia comprida e blusa abotoada até o pescoço. Imaginava ela que com aquele comportamento e vestida daquela forma, jamais chamaria atenção, ou despertaria a cobiça dos homens.

Para o povo da cidade, talvez. Porém, para aquela dupla de visitantes, não foi bem assim. Jurema possuía um corpo cultural, capaz de sobrepor-se à indumentária simplória e seu andar, em salto alto sobre o piso irregular da calçada, proporcionavam aos quadris um provocante, embora sutil rebolado. E não existe nada capaz de superar a imaginação pecaminosa de um homem mal intencionado.

- Veja mano, aquela ali deve ser uma grande trepada!
- Por que diz isso? Conhece a moça?
- Não e nem preciso. Mulher que anda de vista baixa, olhando para o chão e vestida daquele jeito para esconder o corpo, costuma ser uma falsa pudente... Um furacão na cama!

 Esperidião ouviu o comentário, mas como não viu a filha passar, concentrou-se no carteado.

- Você não vai reagir, Dão? - perguntou o parceiro.
- Reagir de que?
- Vai deixar o cara ali dizer que sua filha deve ser um furacão na cama, uma grande trepada?

 Não foi preciso que se dissesse mais nada. A pancadaria comeu solta. No início Esperidião começou perdendo dos dois. Depois, ajudado por todos que estavam no bar, os visitantes passaram a apanhar e ficaram em petição de miséria. A polícia chegou e conseguiu evitar uma tragédia maior. Porém, o bar do Tavico foi quem sofreu maior estrago.

Padre João de Assis há tempos que estava desconfiado. Podia dizer que o que sentia era quase certeza. Gaguinho, seu sacristão, estava roubando os cofres da igreja. Coisa pouca, era verdade, mas, com a continuidade deu para notar. Roubava para alimentar seu vício: Gaguinho gostava de fumar bons charutos. O padre inventou que iria viajar na segunda-feira para ver se pegava o sacristão em flagrante. E não deu outra.

Precisando de uns trocados para comprar ingresso no cinema local para assistir a "Paixão de Cristo", Gaguinho foi pego com a mão dentro da urna coletora.

 - O que eu devo fazer com ladrão que rouba a igreja? Devo expulsá-lo e denunciá-lo para a polícia? - perguntou, segurando a mão do sacristão.
 
 Gaguinho não se alterou e procurou manter a calma:

 - Como um santo homem, o senhor deve me perdoar. Eu não sou representante de Deus na terra. Não tenho o dom da santidade, nem a missão, como pastor, de perdoar suas ovelhas. Mas assim mesmo, padre, eu lhe perdoo porque sei que a carne é fraca.

 Surpreso e sem compreender o que acabara de ouvir, perguntou:

 - Você!? Perdoar-me de quê? De que pecado?
 - De trepar com dona Jurema todas as segundas-feiras na sacristia. E lhe garanto que Vossa Eminência ficará no lucro se me perdoar. De minha parte, deixo de roubar a igreja e nada conto do que acontece por aqui às segundas-feiras...

 
No domingo o sermão do Padre João de Assis teve como tema o perdão.



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